Exercício Físico: A Chave para a Saúde Cardiovascular e um Poderoso Substituto Medicamentoso
As doenças cardiovasculares (DCV) mantêm-se como a principal causa de mortalidade a nível mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, aproximadamente 17,9 milhões de pessoas morreram por DCV, representando 31% de todas as mortes mundiais. A OMS salienta que grande parte das DCV pode ser prevenida com alterações simples no estilo de vida, como a adoção de uma dieta equilibrada, a prática regular de exercício físico e a cessação do consumo de tabaco (OMS, 2021).
Sessão de Reabilitação Cardíaca com a Dra. Vanessa Santos
O exercício físico regular destaca-se como uma intervenção não farmacológica eficaz na prevenção e tratamento das DCV, apresentando benefícios que, em alguns casos, superam os proporcionados pelos medicamentos convencionais. Estudos indicam que a prática regular de exercício físico está associado a uma redução significativa no risco de DCV, reforçando a sua importância como estratégia preventiva (Fiuza-Luces, C. et al. 2013; Tucker, W. J., et al. 2022).
A integração do exercício físico na prática clínica tem sido amplamente reconhecida como uma estratégia fundamental para a promoção da saúde cardiovascular. A prescrição adequada de exercício físico é encarada como uma intervenção terapêutica eficaz, muitas vezes comparável aos efeitos de determinados fármacos (Thompson, W. R., et al. 2020). A ausência de recomendações individualizadas e monitorização especifica do exercício representa uma lacuna na abordagem médica atual, considerando que a dosagem e personalização do exercício são tão cruciais quanto a dos fármacos para garantir os máximos benefícios à saúde (Rooney, D., et al. 2023; Thompson, W. R., et al. 2020).
O exercício físico regular é um dos pilares mais eficazes na prevenção e tratamento das DCV, sendo amplamente reconhecido pelos seus efeitos protetores sobre o sistema cardiovascular. Os seus benefícios vão muito além da simples queima de calorias ou do fortalecimento muscular, promovendo uma série de adaptações fisiológicas e metabólicas que reduzem diretamente os principais fatores de risco associados às doenças do coração e da circulação (Seo, D.Y., el al. 2023).
Um dos efeitos mais notáveis do exercício físico é a sua capacidade de regular a pressão arterial. Estudos demonstram que a prática regular de exercícios aeróbios, como caminhar, correr, nadar ou pedalar, pode reduzir a pressão arterial até 10 mmHg, um efeito semelhante ao de muitos medicamentos anti-hipertensivos. Este impacto positivo resulta do aumento da elasticidade dos vasos sanguíneos, facilitando a circulação sanguínea e reduzindo a sobrecarga no coração (Alpsoy Ş 2020). Assim, pessoas que se exercitam regularmente apresentam um menor risco de desenvolver hipertensão arterial, um dos maiores preditores de enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (Nystoriak MA, et al. 2018).
Além do controlo da pressão arterial, o exercício também desempenha um papel crucial na regulação dos níveis de colesterol no sangue. A prática regular de exercício físico está associada ao aumento do colesterol HDL, conhecido como "colesterol bom", e à redução do LDL, o "colesterol mau". Esta modulação lipídica contribui para a redução da formação de placas de gordura nas artérias, prevenindo a aterosclerose e garantindo uma circulação mais eficiente, protegendo o coração de complicações graves.
Outro impacto significativo do exercício é a regulação dos níveis de glicose no sangue. Tanto os exercícios aeróbios como os de força muscular aumentam a sensibilidade à insulina, facilitando a absorção de glicose pelas células musculares e contribuindo para o controlo da diabetes tipo 2 (Ahn, N., & Kim, K. 2020).
A função endotelial, que se refere à capacidade dos vasos sanguíneos de se dilatarem e contraírem adequadamente, também é amplamente beneficiada pelo exercício físico. A prática regular estimula a produção de óxido nítrico, uma molécula fundamental para a vasodilatação, promovendo um fluxo sanguíneo mais eficiente e reduzindo a rigidez arterial. Este mecanismo não só melhora a circulação como também protege contra eventos cardiovasculares adversos (Santos et al. 2022).
Além disso, o exercício físico desempenha um papel crucial na redução da inflamação sistémica, um fator frequentemente negligenciado, mas essencial na progressão das DCV. O exercício físico regular reduz a produção de citocinas inflamatórias, como a proteína C-reativa, diretamente associada ao desenvolvimento e progressão da aterosclerose. Com um nível inflamatório mais baixo, o risco de complicações cardiovasculares diminui significativamente (Pinckard, K., et al. 2019).
Com todos estes benefícios comprovados, é evidente que o exercício físico não deve ser encarado apenas como uma recomendação genérica para um estilo de vida saudável, mas sim como uma intervenção terapêutica poderosa. Incorporar o exercício na rotina diária, seja através de atividades aeróbias ou de treinos de força, pode fazer uma diferença significativa na saúde cardiovascular. O exercício solidifica-se, assim, não só como um aliado na longevidade, mas também como uma ferramenta essencial na prevenção e no tratamento das DCV, com eficácia comparável aos melhores medicamentos disponíveis.
Texto de: Vanessa Santos
(Doutorada em Reabilitação Cardíaca e Fisiologista do Exercício)
Referências:
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Izquierdo, M., Merchant, R. A., Morley, J. E., Anker, S. D., Aprahamian, I., Arai, H., ... & Vellas, B. (2021). International Exercise Recommendations in Older Adults (ICFSR): Expert Consensus Guidelines. Journal of Nutrition, Health & Aging, 25(7), 824-853. https://doi.org/10.1007/s12603-021-1665-8
Tucker, W. J., Fegers-Wustrow, I., Halle, M., Haykowsky, M. J., Chung, E. H., & Kovacic, J. C. (2022). Exercise for primary and secondary prevention of cardiovascular disease: JACC Focus Seminar 1/4. Journal of the American College of Cardiology, 80(11), 1091–1106. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2022.07.004
Thompson, W. R., Sallis, R., Joy, E., Jaworski, C. A., Stuhr, R. M., & Trilk, J. L. (2020). Exercise is medicine. American Journal of Lifestyle Medicine, 14(5), 511-523. https://doi.org/10.1177/1559827620912192
Rooney, D., Gilmartin, E., & Heron, N. (2023). Prescribing exercise and physical activity to treat and manage health conditions. Ulster Medical Journal, 92(1), 9-15.
Seo, D. Y., Bae, J. H., Li, X., & Han, J. (2023). Exercise training and cardiovascular health: Mechanisms, benefits, and therapeutic implications in cardiovascular disease. CardioMetabolic Syndrome Journal, 3, e20. https://doi.org/10.51789/cmsj.2023.3.e20
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Nystoriak, M. A., & Bhatnagar, A. (2018). Cardiovascular effects and benefits of exercise. Frontiers in Cardiovascular Medicine, 5, 135. https://doi.org/10.3389/fcvm.2018.00135
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Santos, V., Massuça, L. M., Angarten, V., Melo, X., Pinto, R., Fernhall, B., & Santa-Clara, H. (2022). Arterial stiffness response to acute combined training with different volumes in coronary artery disease and heart failure patients. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19(22), 14994. https://doi.org/10.3390/ijerph192214994
Pinckard, K., Baskin, K. K., & Stanford, K. I. (2019). Effects of exercise to improve cardiovascular health. Frontiers in Cardiovascular Medicine, 6, 69. https://doi.org/10.3389/fcvm.2019.00069