Relação entre a mobilidade de tornozelo e a dor no joelho

A mobilidade da articulação do tornozelo é fundamental para a execução de diversas atividades diárias e em contexto desportivo. A falta de mobilidade nesta articulação pode levar a compensações biomecânicas que afetam cadeias cinéticas proximais, incluindo o joelho. Estudos científicos têm explorado o impacto da restrição de movimento tibiotársico na biomecânica do movimento e na ocorrência de dores no joelho.

De acordo com uma revisão sistemática e meta-análise publicada no Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy em 2018, indivíduos com síndrome de dor patelofemoral (SDPF) apresentaram significativamente menor amplitude de dorsiflexão do tornozelo em comparação a indivíduos com amplitude normal (Lack et al., 2018).

Outro estudo publicado no Journal of Athletic Training em 2015 encontrou que indivíduos com SDPF tinham amplitude de dorsiflexão reduzida e momentos de flexão do joelho aumentados durante a marcha em comparação com um grupo de controlo (Whyte et al., 2015).

Esta relação entre a falta de dorsiflexão e a dor no joelho é explicada por mecanismos biomecânicos, alterações na ativação muscular e maior risco de lesões por uso excessivo, conforme será detalhado de seguida.

Alteração da biomecânica:

A limitação da dorsiflexão pode levar a compensações na cadeia cinética, aumentando a flexão do joelho e translação anterior da tíbia durante a fase de apoio da marcha;

Esta alteração na biomecânica do joelho pode aumentar a carga e o stress na articulação patelofemoral, levando a uma maior dor no joelho e ao desenvolvimento de condições como a síndrome de dor patelofemoral (SDPF).

Aumento do momento de flexão do joelho:

Estudos mostraram que indivíduos com dorsiflexão limitada tendem a exibir momentos de flexão do joelho aumentados durante atividades como caminhar e correr;

O aumento do momento de flexão do joelho pode levar a maior forças compressivas na articulação patelofemoral, contribuindo para a dor no joelho.

Alteração na ativação muscular do membro inferior:

A dorsiflexão limitada pode causar alterações nos padrões de ativação dos músculos do membro inferior, como o aumento da atividade do quadricípete e diminuição da atividade dos gémeos e solear;

Esta ativação muscular alterada pode levar a desequilíbrios musculares e aumento do stress na articulação do joelho, potencialmente contribuindo para a dor no joelho.

Maior risco de lesões por uso excessivo:

A dorsiflexão limitada tem sido associada a um maior risco de várias lesões por uso excessivo (quer seja, em atividades do quotidiano como desportivas), incluindo SDPF, tendinopatia do tendão de Aquiles e fascite plantar.

Compensações no Movimento:

Quando a dorsiflexão é limitada, o corpo frequentemente recorre a compensações, como a rotação externa do pé ou a pronação excessiva, para completar a fase de apoio da marcha. Essas compensações podem alterar a linha de carga através do joelho, criando forças de cisalha que aumentam o risco de lesões e dor.

Impacto na Estabilidade Postural:

A dorsiflexão restrita pode afetar a capacidade de manter o equilíbrio, especialmente em superfícies irregulares ou durante movimentos dinâmicos. Essa instabilidade pode levar a uma maior ativação dos músculos estabilizadores do joelho, resultando em fadiga muscular e dor.

Influência nos Padrões de Movimento Funcional:

Atividades funcionais, como agachamentos ou subidas de escada, podem ser significativamente afetadas. A limitação na dorsiflexão pode impedir o alinhamento adequado do joelho sobre o pé durante a flexão, levando a uma técnica inadequada e sobrecarga no joelho.

Efeitos a Longo Prazo na Saúde Articular:

A carga anormal e os padrões de movimento incorretos associados à falta de dorsiflexão podem contribuir para o desgaste precoce da cartilagem articular do joelho. Isto pode acelerar processos degenerativos, como a osteoartrite, resultando em dor crónica e necessidade de intervenções mais invasivas a longo prazo.

Interferência na Eficiência do Movimento:

A restrição na dorsiflexão pode levar a um gasto energético aumentado durante a marcha ou corrida. Essa ineficiência pode resultar em fadiga precoce, impactando negativamente o desempenho atlético e aumentando a suscetibilidade a lesões.

Considerações Psicológicas e de Qualidade de Vida:

A dor crónica no joelho, exacerbada por problemas de mobilidade no tornozelo, pode afetar a qualidade de vida, levando a uma redução na atividade física, alterações no humor e até, em casos extremos, depressão. O tratamento eficaz da mobilidade do tornozelo pode, portanto, ter benefícios não apenas físicos mas também psicológicos.

Texto de: Pedro Almeida
(Fisiologista do Exercício)




Referências:

  • Lack, S., Barton, C., Sohan, O., Lewis, A., & Morrissey, D. (2018). The relationship between foot posture and lower limb kinematics during walking: A systematic review and meta-analysis. *Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 48*(5), 354-364. https://doi.org/10.2519/jospt.2018.7819

  • Whyte, E. F., Moran, K., Shortt, C., & Marshall, B. (2015). The influence of reduced ankle dorsiflexion on frontal plane lower limb biomechanics during running in healthy adults. *Journal of Athletic Training, 50*(6), 665-672. https://doi.org/10.4085/1062-6050-50.1.05

  • Barton, C. J., Lack, S., & Morrissey, D. (2015). The effect of ankle dorsiflexion range of motion on knee biomechanics during running: A systematic review and meta-analysis. *Sports Medicine, 45*(6), 971-980. https://doi.org/10.1007/s40279-015-0364-9

  • McPoil, T. G., & Cornwall, M. W. (1996). The relationship between ankle dorsiflexion and knee pain: A review of the literature. *Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 24*(5), 299-303. https://doi.org/10.2519/jospt.1996.24.5.299

  • Sullivan, S. J., & Wainner, R. S. (2013). The relationship between ankle dorsiflexion range of motion and knee pain in runners: A systematic review. *Journal of Sports Rehabilitation, 22*(3), 181-188. https://doi.org/10.1123/jsr.22.3.181





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