Exercício e Cancro

Cancro é uma designação que engloba centenas de doenças que partilham, como elemento comum, o crescimento e a proliferação celular de forma anormal e descontrolada e que podem, em algumas situações, alastrar para locais anatómicos distantes. Este crescimento descontrolado e aumento de células anormais são resultantes de danos no ácido desoxirribonucleico (ADN). A maioria dos cancros é classificado de acordo com o tipo de célula de onde se originam. Os carcinomas desenvolvem-se a partir das células epiteliais dos órgãos e compõem cerca de 85% de todos os cancros. Outros cancros proveem das células do sangue (leucemia), sistema imunitário (linfomas e mielomas), tecidos conjuntivos (sarcoma).

Cancro em Portugal

O Cancro é atualmente um problema de saúde pública, sendo a segunda principal causa de morte em Portugal.

Segundo os últimos dados da IARC (Internacional Agency for Research On Cancer), em 2022 foram diagnosticados em Portugal 69567 novos casos de cancro e foram registadas 33762 mortes relacionadas com a doença.

Estima-se que a tendência de número de novos casos seja de crescimento. No entanto, embora a doença continue a aumentar, a probabilidade de cura é cada vez maior, devido à melhoria da eficácia dos tratamentos e acima de tudo ao aumento do número de rastreios, sendo a deteção precoce essencial para a sobrevivência.

Fatores de Risco do cancro

Existem alguns fatores de risco de cancro que tornam as pessoas mais suscetíveis ao seu desenvolvimento. Estes fatores podem ser controláveis ou não controláveis.

Entre os fatores não controláveis existem:

Idade - A idade avançada é o principal fator de risco para muitos tipos de cancro, uma vez que o envelhecimento das células origina o desenvolvimento do cancro. Por outro lado, existem alguns tipos de cancro que são característicos de idades jovens tais como o cancro do testículo, cancro da tiroide e o linfoma de Hodgkin. Também em idades pediátricas, embora em menor número, existem neoplasias sendo as mais comuns as leucemias.

Género - Existem cancros específicos de cada género como o cancro da próstata nos homens e os cancros ginecológicos nas mulheres. No entanto a maioria são comuns a ambos os géneros sendo que alguns são mais prevalentes nos homens (pulmão) e outros nas mulheres (mama).

Hereditários (genéticos) - Existe a possibilidade de o cancro ter uma causa genética. Os cancros hereditários acontecem quando mutações de um ou dois progenitores são transmitidas à geração seguinte. O facto de ter uma mutação genética conhecida não significa que vá́ desenvolver obrigatoriamente um cancro, no entanto é importante estar atento e vigilante a sinais e sintomas, assim como realizar rastreios frequentes.

Como principais fatores de risco controláveis, ou seja, os fatores de risco que estão relacionados com os hábitos e estilo de vida, temos:

Obesidade - A obesidade é um fator de risco para vários tipos de tumor, incluindo cancro da mama, endométrio, próstata, pâncreas e cólon, sendo que os doentes obesos com cancro têm um risco de morte mais elevado. A obesidade ativa numerosas vias de sinalização oncogénicas que promovem a sobrevivência, proliferação e metabolismo das células tumorais. Uma alimentação saudável e equilibrada, assim como um estilo de vida ativo, são aliados essenciais na gestão do peso e composição corporal.

Tabagismo - O tabagismo é a principal causa conhecida de morte relacionada com o cancro em todo o mundo. Estima-se que o tabaco provoque aproximadamente 25% de todos os cancros nos homens e 4% nas mulheres, e, em ambos os sexos, aproximadamente 16% dos cancros nos países mais desenvolvidos e 10% nos países menos desenvolvidos.

Álcool - Aproximadamente 4% dos cancros em todo o mundo são causados pelo consumo de álcool, o que equivale a mais de 740.000 casos de cancro em todo o mundo. O consumo de álcool está associado ao risco de cancro do esófago, fígado e mama.
Mesmo em níveis mais baixos de ingestão, o consumo de álcool pode aumentar o risco de cancro.

Radiação Solar - A radiação solar é o principal fator de risco ambiental do cancro de pele, cuja incidência está a aumentar rapidamente nas últimas décadas. Existe uma clara associação entre a radiação solar e todos os tipos de cancro da pele. Neste sentido, devem ser tomadas medidas de proteção contra todos os tipos de radiação solar (recreativa, ocupacional, intermitente e contínua) para minimizar o risco de desenvolvimento de qualquer forma de cancro da pele.

Estes são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de cancro que podem ser controlados pelos nossos comportamentos diários. Neste sentido, é importante adotarmos comportamentos e hábitos de vida saudáveis para a prevenção de doença oncológica assim como de outras doenças crónicas.

Níveis de Atividade Física e Risco de Cancro

Existe uma forte associação entre o nível de atividade física e o risco de cancro. Pessoas com níveis de atividade física mais baixos têm maior risco de cancro comparativamente com pessoas com níveis de atividade física mais elevados.

Evidências científicas demonstram que a atividade física reduz o risco de cancro da mama, cólon, endométrio, bexiga, estômago, esófago (adenocarcinoma) e de uma associação com o risco de cancro do pulmão, com 10% a 20% de redução de risco relativo.
Relativamente a cancros hematológicos, cabeça e pescoço, ovário e pâncreas, a evidencias ainda são limitadas principalmente devido à falta de investigação que tem sido feita sobre estes cancros.

Dado o impacto significativo do cancro na qualidade de vida, estabilidade financeira e mortalidade, a redução do risco e a melhoria do prognóstico, dos cancros comuns a partir de níveis elevados de atividade física, podem ter um grande impacto na saúde pública.

Importância da Atividade Física e do Exercício Físico.

A promoção de um estilo de vida saudável e ativo no sobrevivente de cancro é fundamental para uma vida saudável assim como para a diminuição da probabilidade de recidiva da doença. Assim sendo, torna-se essencial para o doente oncológico manter uma prática de exercício fisco regular.

A atividade física parece promover maiores melhorias físicas durante o processo de recuperação, que ocorre após os tratamentos, aumentando a adaptabilidade da capacidade muscular funcional e capacidade cardíaca.

Evidências sugerem que a atividade física pode promover benefícios fisiológicos e psicológicos nos sobreviventes de cancro após tratamento. A atividade física está associada a importantes efeitos positivos sobre a função física, peso corporal, IMC e qualidade de vida, assim como em preocupações específicas como a imagem corporal e autoestima, bem-estar emocional, sexualidade, distúrbios do sono, funcionamento social, ansiedade, fadiga e dor.

O exercício fisco é encarado como uma estratégia não farmacológica eficaz para atrasar os efeitos adversos da quimioterapia ou da radioterapia e melhorar a qualidade de vida, a aptidão cardiorrespiratória e a força muscular dos doentes com cancro. Isto ocorre porque o exercício físico minimiza os processos degenerativos associados ao cancro e promove alterações comportamentais ligadas ao estilo de vida. Um painel de especialistas do American College of Sports Medicine (ACSM), concluiu que há uma ampla evidência que o exercício é seguro durante e após o tratamento.

Em 2018, uma equipa multidisciplinar de especialistas, definiu diretrizes de saúde pública e recomendações de programas de exercícios específicos para cada tipo de cancro, tratamentos e/ou efeitos desses tratamentos com vista à melhoria da saúde e qualidade de vida. Além disso, a mesma equipa reforçou a evidência da segurança do exercício físico nesta população e que todo o sobrevivente de cancro deve evitar a inatividade.

Segundo as evidencias existentes, o exercício físico tem o potencial de prevenir a atrofia muscular e manter e/ou melhorar as capacidades funcionais, particularmente ao nível da capacidade cardiorrespiratória e da força, assim como minimizar o número e a gravidade dos efeitos secundários, nomeadamente na diminuição das náuseas, dor, fadiga, stress, ansiedade e depressão.

Já no processo de recuperação, após tratamentos, o exercício físico pode promover benefícios fisiológicos e psicológicos nos sobreviventes de cancro. Para além disso, tem o potencial de promover a redução do risco de recidiva, aumento da capacidade cardíaca e funcional, melhoria da força, flexibilidade e capacidade cardiorrespiratória, melhoria da função imune, a composição corporal, fadiga e, consequentemente, da qualidade de vida.

O exercício físico tem o potencial de minimizar os processos degenerativos associados ao cancro como tal, pode ser encarado como uma estratégia não farmacológica eficaz para atrasar os efeitos colaterais dos tratamentos. Para além disso a prática de exercício físico regular promove alterações comportamentais ligadas ao estilo de vida.

No entanto é preciso realçar a importância de os pacientes recorrerem a profissionais de exercício físico devidamente formados e especializados de forma a terem uma prescrição e acompanhamento adequado do treino.

O exercício físico não é uma cura ou tratamento para o cancro, mas é sem dúvida uma excelente ferramenta no controlo dos efeitos secundários dos tratamentos assim como na recuperação/reabilitação dos sobreviventes de cancro.

Texto de: Tiago Costa
(Fisiologista do Exercício)



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